domingo, 5 de junho de 2011

Ela canta, pobre ceifeira.



Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,


Ondulada como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.


Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida
E canta como se tivesse
Mais razões para cantar que a vida.


Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente está pensando.
Derrama no meu coração 
Atua incerta voz ondeando!


Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó Canção! A ciência


Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passa!




(Fernando Pessoa em;
Mensagens)


Camille M.

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