terça-feira, 22 de março de 2011

Aqui na rola da praia...



Aqui na rola da praia, mudo e contende do mar,
Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um riu
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó,
Sonho sem quase já ser, perco se nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.

                                                                         (Fernando Pessoa, 10-08-1929)


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